Investimento privado fora de mercados organizados
O investimento privado em sociedades, sem ações admitidas à negociação em mercados organizados, pode visar empresas em fase inicial, como startups e scaleups, geralmente designado por Venture capital, ou empresas já consolidadas no mercado, geralmente denominado Private equity.
O investimento nestas empresas goza apoios no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência.
- Incentivos à Competitividade das Startups
A Portaria n.º 49/2025/1de 20 de fevereiro veio aprovar um Sistema de Incentivos à Competitividade das Startups que abrange como domínios de intervenção a investigação e desenvolvimento, a inovação e competitividade empresarial, a internacionalização e o empreendedorismo no âmbito das medidas previstas no Programa Acelerar a Economia.
No âmbito do Sistema de incentivos são apoiadas as seguintes tipologias de projetos:
a) Voucher Deep Tech;
b) Voucher Go to EIC Accelerator;
c) Programa Start from Knowledge.
O apoio a atribuir no âmbito dos Voucher Deep Tech, no valor de de € 60 000, destina-se a empresas que, nomeadamente, tenham obtido o resultado «Go» na fase 1 - Step 1 - Short Application - do processo de candidatura ao instrumento Accelerator do European Innovation Council, do Programa Horizonte Europa, nos 12 meses anteriores à data de submissão da candidatura.
O apoio a atribuir no âmbito dos Voucher Go to EIC Accelerator, no valor de € 10.000, destina-se a empresas com candidaturas à fase 2 - Step 2 - Full Proposal, ao Accelerator do European Innovation Council.
O apoio a atribuir no âmbito do Programa Start from Knowledge, no valor de € 30.000, tem como objetivo o estímulo à criação de startups no meio académico e à transmissão de conhecimento científico e tecnológico produzido nas Instituições de Ensino Superior para o tecido empresarial nacional.
- Venture capital
Venture capital é, portanto, o investimento privado em empresas inovadoras, em fase inicial, como startups e scaleups e envolve, naturalmente, maiores riscos, mas também pode potenciar maiores ganhos.
Embora as startups e scaleups sejam realidades económicas há muito reconhecidas nos Estados Unidos e na Europa, a Lei n.º 21/2023 de 25 de maio definiu, pela primeira vez, em Portugal, os conceitos de startup e scaleup, com base na inovação e na dimensão, que revestem da maior importância, nomeadamente, para efeitos de benefícios fiscais.
Nos termos da citada Lei, são Startups as empresas que reúnam cumulativamente os seguintes critérios, com exclusão das empresas de promoção, intermediação, investimento ou desenvolvimento imobiliário:
- Exerçam atividade por um período inferior a 10 anos;
- Empreguem menos de 250 trabalhadores;
- Tenham um volume de negócios anual que não exceda os 50 milhões de euros;
- Não resultem de uma cisão de uma grande empresa e não tenham no seu capital qualquer participação maioritária direta ou indireta de uma grande empresa;
- Tenham sede ou pelo menos 25 trabalhadores em Portugal;
- Sejam empresas inovadoras com um elevado potencial de desenvolvimento, com um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores, ou às quais tenha sido reconhecida idoneidade pela ANI – Agência Nacional de Inovação, S.A., na prática de atividades de investigação e desenvolvimento ou certificação do processo de reconhecimento de empresas do setor da tecnologia;
- Tenham concluído, pelo menos, uma ronda de financiamento de capital de risco por entidade legalmente habilitada para o investimento em capital de risco sujeita à supervisão da CMVM ou de autoridade internacional congénere da CMVM, ou mediante a aportação de instrumentos de capital ou quase capital por parte de investidores que não sejam acionistas fundadores da empresa, nomeadamente por business angels, certificados pelo IAPMEI;
- Tenham recebido investimento do Banco Português de Fomento, S.A., ou de fundos por este geridos, ou de um dos seus instrumentos de capital ou quase capital.
Estes requisitos podem ser atestados pela Startup Portugal - Associação Portuguesa para a Promoção do Empreendedorismo, com fundamento e evidência de a requerente ser detentora de um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores ou de um negócio rapidamente escalável e com elevado potencial de crescimento.
As Scaleups são empresas tecnológicas e inovadoras de maior dimensão ou antiguidade de Estados terceiros, que pretendam desenvolver uma atividade altamente qualificada em Portugal no âmbito do programa «Tech Visa», certificadas pelo IAPMEI, ao abrigo da Portaria n.º 328/2018 de 19 de dezembro.
Como critérios de seleção, as empresas são avaliadas, entre outros, pelos seguintes critérios:
i) Ser uma startup criada há pelo menos 2 anos, que desenvolva a sua atividade em setores de alta ou média-alta tecnologia, ou de forte intensidade de conhecimento;
ii) Possuir mais de 15 % de trabalhadores altamente qualificados;
iii) Ter um crescimento médio anual do volume de negócios superior a 20 % nos últimos 3 anos;
iv) Ter angariado investimento de capital de risco, através da entrada de fundos de «Venture Capital» ou «Business Angels» nos últimos 3 anos.
O reconhecimento de uma startup ou scaleup é realizado mediante procedimento de comunicação prévia on line dirigida à Start Up Portugal, que vai verificar o cumprimento dos referidos critérios, assim como a monitorização, acompanhamento e controlo, nomeadamente, para efeitos da cessação do estatuto pela não verificação inicial ou superveniente dos requisitos para o reconhecimento.
O recurso pelas startups e scaleups ao venture capital é da maior relevância, dada a dificuldade e custo do acesso ao crédito financeiro (debit) e a escassez dos capitais próprios.
Assim, nas startups, o processo inicia-se com a criação do projeto tecnológico inovador e respetivas patentes e direitos autorais, a que se segue a sua divulgação (pitch) de forma a angariar os investidores.
Depois, há que estabelecer uma ratio entre capitais do círculo próximo, nomeadamente, “Friends Family and Fools” e o venture capital.
Levanta-se aqui a questão de saber até que ponto os fundadores estão dispostos a diluir a sua participação no capital social, podendo defender a sua posição através do voto duplo nas sociedades por quotas (art.º 250, n.º 2/CSC), já que o voto plural é proibido nas sociedades anónimas (art.º 384, n.º 5/CSC), exceto nas sociedades admitidas à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral (art.º 21-D/CVM), que não é o caso das startups.
Este acesso ao venture capital pode desenrolar-se numa fase preliminar, quando o projeto ainda está em estruturação, ou praticamente ainda não “saiu do papel” e, neste caso, designa-se por seed capital.
Segue-se o investimento em venture capital, propriamente dito, que se realiza através de um conjunto de contratos, que, para além da aquisição das participações sociais (equity), estruturam a forma de financiamento e o retorno do capital investido, geralmente com algum faseamento (milestones).
Geralmente, os investidores em capital de risco (venture capital) têm planos de investimento a médio prazo, onde preveem a saída (exit), dentro de horizontes temporais definidos, ou eventos determinados (trigger events), de forma a realizarem o retorno do investimento.
Assim, nos contratos de investimento estabelecem-se cláusulas típicas, como, por exemplo, o drag along ou tag along, call options ou put options.
Para o financiamento das startups e scaleups revestem da maior importância as Business angels, que são, nomeadamente as sociedades financeiras que reúnam as seguintes condições:
- Sejam detidas, maioritariamente e com controlo de gestão, por pessoa individual qualificada como business angel;
- Tenham por política de investimentos a aquisição de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de crescimento como forma de beneficiar da respetiva valorização;
- Sejam micro, pequenas ou médias empresas (PME) e que apenas invistam em PMEs;
- Cuja capitalização seja, pelo menos, em 15 % aportada pelo business angel;
- Estejam legalmente constituídas e habilitadas a operar em Portugal.
Como alternativa ao financiamento por business angels têm surgido plataformas de crowdfunding, que abordaremos mais à frente.
- Private equity
Enquanto o Venture capital se destina a empresas em fase inicial, como startups e scaleups, o Private equity ou capital privado, como o próprio nome indica, é uma forma de investimento privado realizado em sociedades numa fase mais madura, mas sem ações admitidas à negociação em mercados organizados.
Esse investimento pode ser feito diretamente, ou através de Organismos de Investimento Coletivo (OICs) ou de Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia (SIMFE).
Os Organismos de Investimento Coletivo (OICs) encontram-se atualmente regidos pela Dec.-Lei n.º 27/2023 de 28 de abril – Regime da Gestão de Ativos – que revogou a Lei nº 16/2015 (RGOIC) e a Lei n.º 18/2015 sobre Regime Jurídico do Capital Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (RJCRESIE) e que transpôs as Diretivas (UE) 2009/65 e 2011/61.
Os Organismos de Investimento Coletivo OICs podem revestir a forma de Fundos de Investimento ou Sociedades de Investimento Coletivo (art.º 3).
Para os investidores sem preparação financeira é aconselhável o investimento através de fundos de investimento, nomeadamente, Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (OICVM), que são definidos no art.º 5, nº 1 al. a) da citada Lei, como tendo por objeto exclusivo o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos.
O investimento dos participantes é feito através da subscrição ou aquisição de unidades de participação, que são valores mobiliários que representam direitos de uma fração do património do respetivo OICVM.
Os OICVMs são sempre abertos, pelo que as unidades de participação são, a pedido dos seus titulares, resgatadas ou readquiridas, direta ou indiretamente, a cargo dos organismos, só podendo ser recusados os pedidos desde que as unidades de participação sejam negociadas em mercado regulamentado ou em sistemas de negociação multilateral e a sua cotação não se afaste significativamente do seu valor patrimonial líquido.
O investimento através de OICVMs tem o inconveniente dos custos de agência, mas tem a garantia da idoneidade da respetiva entidade gestora, que está sujeita a autorização e supervisão da CMVM e deverá ser uma sociedade anónima com um capital mínimo de € 125.000 e fundos próprios adequados e que tenha por objeto exclusivo a gestão de carteiras por conta de outrem e consultoria para investimento, no interesse exclusivo dos participantes (artºs 22 e seg.s da Lei).
O património dos OICVMs é estruturado de acordo com um princípio de repartição de riscos e, regra geral, um OICVM não pode adquirir mais de (artºs 175 e 176 da Lei):
a) 10% das ações sem direito de voto de um mesmo emitente;
b) 10% dos títulos de dívida de um mesmo emitente;
c) 25% das unidades de participação de um mesmo OICVM;
d) 10% dos instrumentos do mercado monetário de um mesmo emitente.
As SIMFE - Sociedades de Investimento Mobiliário para Fomento da Economia - gozam de benefícios fiscais e encontram-se reguladas pelo Dec.-Lei n.º 77/2017 e são sociedades de investimento alternativo especializado, que têm como objeto o investimento em valores mobiliários emitidos por empresas elegíveis. (artº 2, n.º 1), nomeadamente (artº 3):
a) Pequenas e médias empresas;
b) Empresas emitentes de ações admitidas à negociação num mercado regulamentado mas que, na média dos últimos três anos civis, tenham tido uma capitalização bolsista inferior a € 50.000.000 com base na cotação no final do ano nos três anos civis precedentes ao investimento;
c) Empresas qualificadas como Mid Caps ou Small Mid Caps na aceção do Dec.-Lei n.º 81/2017, de 30 de junho, que não sejam emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado.
As empresas elegíveis podem ser startups ou scaleups, conforme definidas na Lei n.º 21/2023.
- Crowdfunding
O crowdfunding ou financiamento colaborativo já existe há muitos anos nos Estados Unidos e na União Europeia, mas só foi regulado em Portugal, pela Lei n.º 102/2015 de 24 de agosto, que o define, no art.º 2, como “o tipo de financiamento de entidades, ou das suas atividades e projetos, através do seu registo em plataformas eletrónicas acessíveis através da Internet, a partir das quais procedem à angariação de contributos ou de parcelas de investimento em dinheiro provenientes de pessoas singulares e coletivas na qualidade de apoiantes ou de investidores.”
No entanto, o seu regime jurídico é completado pelo Regulamento (EU) 2020/1503, bem como pelo Regulamento da CMVM n.º 1/2016.
O crowdfunding que nos interessa aqui é o financiamento de capital, embora também estejam previstos, de acordo com a citada Lei, o financiamento colaborativo através de donativos e de empréstimos.
Naturalmente que o crowdfunding de capital tem particular interesse para o financiamento da startups e scaleups e, de um modo geral, pequenas e médias empresas (PMEs), dada a facilidade de acesso às plataformas informáticas, evitando os custos de agência.
Mas, para proteção dos investidores não profissionais, torna-se necessário assegurar, por um lado, a idoneidade das plataformas eletrónicas de financiamento e respetivas entidades gestoras e, por outro lado, a informação a prestar e os limites de investimento.
Assim, a atividade de financiamento colaborativo depende de registo prévio na CMVM e está reservada a (art.º 4, n.º 2 da Lei):
“a) Instituições de crédito;
b) Empresas de investimento;
c) Instituições de moeda eletrónica;
d) Entidades autorizadas a prestar serviços de pagamento; e
e) Sociedades comerciais.”.
Por sua vez, as entidades gestoras da plataforma, para além da idoneidade dos administradores, devem satisfazer, pelo menos, um dos seguintes requisitos patrimoniais (art.º 2/Reg. CMVM):
“a) Um capital social inicial mínimo de EUR 50 000, realizado à data da constituição da sociedade;
b) Um seguro de responsabilidade civil adequado à atividade, ou qualquer outra garantia equivalente, que cubra as responsabilidades resultantes de negligência profissional, que represente, no mínimo, uma cobertura de EUR 1 000 000 por sinistro e, globalmente, EUR 1 500 000 para todos os sinistros que ocorram durante um ano.”
Por sua vez, as empresas beneficiárias do financiamento colaborativo devem celebrar um contrato escrito com a entidade gestora da plataforma com identificação do projeto a financiar, o montante e prazo de angariação, assim como as “Informações Fundamentais Destinadas aos Investidores do Financiamento Colaborativo” (IFIFC) (art.º 6 da Lei e 16/Reg. CMVM).
Para limitar o risco do crowdfunding, o limite máximo de angariação por oferta é de EUR 1.000.000, não podendo uma atividade ou produto em sede de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo ultrapassar o limite de angariação de EUR 1.000.000, no período de 12 meses. (art.º 19/Reg. CMVM).
E, dado o risco envolvido, os investidores individuais não podem ultrapassar os € 3.000,00 por oferta e € 10.000,00 durante um ano, exceto se demonstrarem que têm um rendimento mensal superior a € 70.000,00 (art.º 12/Reg. CMVM).
Fotografia de Austin Distel em Unsplash