Muito se tem publicado sobre a saída de Alexandra Reis da Administração da TAP, tendo dado lugar, inclusive, a um inquérito do Mº Pº, o qual levou à constituição como arguido do Advogado que terá dado parecer jurídico sobre o assunto, cujo nome desconheço.
Mas, analisemos sumariamente se existe alguma ilegalidade ou crime.
1) Da TAP
A TAP, S.A. é uma sociedade anónima de capitais públicos, que, nos termos do art. 1 dos seus Estatutos, se rege pelo regime jurídico aplicável ao setor público empresarial e subsidiariamente pelo Código das Sociedade Comerciais (CSC). A TAP é, por conseguinte, uma empresa pública, nos termos do art. 5, nº 1 do Dec. Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro, que estabelece o REGIME JURÍDICO DO SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL (RJSPE). E, conforme prescreve o art. 14, nº 1 do mesmo diploma, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do citado Decreto Lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos.
2) Da administração da TAP
Nos termos do art. 13 dos Estatutos da TAP, esta é administrada por um Conselho de Administração composto por um mínimo de 5 membros e um máximo de 11 membros, a eleger pela assembleia geral para um mandato de 4 anos. E, nos termos do art. 25, nº 1/RJSPE, os titulares dos órgãos de administração das empresas públicas gozam de autonomia na definição dos métodos, modelos e práticas de gestão concretamente aplicáveis ao desenvolvimento da respetiva atividade. Por conseguinte, a Administração da TAP goza de autonomia de gestão.
3) Do conflito na administração da TAP
Em janeiro de 2021, Alexandra Reis foi reeleita como Administradora da TAP para um novo mandato, de quatro anos. Mas, pouco depois, desencadeou-se um conflito entre Alexandra Reis e a Administradora-executiva (CEO) da TAP, Christine Ourmières- Widener, nomeadamente quanto a “divergências na execução do plano de reestruturação”, conforme esta garantiu, no Parlamento. Face a este grave desentendimento, no Conselho de Administração, numa área fundamental para o desenvolvimento da TAP, iniciaram-se conversações para a saída de Alexandra Reis, mas esta não mostrou vontade de abandonar o cargo, entendendo que não havia qualquer fundamento para o seu afastamento.
Com efeito, não se verificava qualquer fundamento para a sua destituição, sem indemnização, quer ao abrigo do art. 25 do Estatuto do Gestor Público (EGP) - Dec. Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, quer do art. 403/CSC, pelo que o Conselho de Administração começou a negociar uma compensação para sua saída voluntária, até para evitar a publicitação do conflito, que poderia prejudicar a empresa.
Chegaram, assim, a acordo para o valor de uma compensação para a Administradora Alexandra Reis renunciar ao cargo, o que veio a verificar-se em 4 de fevereiro de 2022, quando ainda faltavam cerca de 3 anos para o termo do seu cargo. O valor final da compensação pela saída antecipada foi de 500 mil euros, depois de Alexandra Reis ter pedido inicialmente uma indemnização de quase 1,5 milhões de euros, como se veio a saber meses mais tarde.
Do valor total que lhe foi pago, 336 mil euros dizem respeito ao valor das remunerações correspondentes a um ano de trabalho, num contrato que tinha término a 31 de dezembro de 2024. O remanescente diz respeito a parcelas de férias não gozadas (107.500 euros) e uma compensação pelo fim do contrato como administradora da empresa (56.500 euros).
4) Da licitude da compensação
Não havendo fundamento para a destituição da administradora com justa causa, o gestor público afastado, de acordo com o art. 26, nº 3/EGP, tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses. E, nos termos do art. 403, nº5/CSC, o administrador teria direito a indemnização pelos danos sofridos, nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.
Em face do exposto, é manifesto que a indemnização acordada está em consonância com os padrões legais.
Com a vantagem de se ter evitado o recurso ao procedimento de destituição pela assembleia geral, com toda a publicidade e eventual recurso a processo judicial, sendo que um conflito publicitado, no seio da Administração, sempre afeta a imagem e reputação da empresa.
Acresce que a referida compensação foi negociada e decidida no seio do Conselho de Administração, sendo que, nos termos do citado art. 25/RJSPE, os órgãos de administração das empresas públicas gozam de autonomia de gestão e o art.º 30, nº 2 acrescenta que os titulares da função acionista devem abster-se de interferir na atividade prosseguida pelo órgão de administração das empresas.
Por outro lado, tendo a compensação paga a Alexandra Reis sido aprovada pelo Conselho de Administração, sem votos contra, não padece de qualquer invalidade, conforme determina o art. 397/CSC.
É, todavia, certo que, nos temos do art 26, nº4/EGP, no caso de regresso ao exercício de funções ou de aceitação de função ou cargo no âmbito do sector público administrativo ou empresarial, no prazo de 12 meses, a indemnização será reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga e exceda esse valor.
Mas, isto é uma questão diferente da licitude da compensação atribuída, embora se saiba que Alexandra Reis veio posteriormente a assumir funções de administração noutra empresa pública. Contudo, também é do conhecimento geral, que Alexandra Reis devolveu voluntariamente, em 31 de maio de 2023, o montante de 266.412,76 euros, correspondente ao excesso da indemnização líquida recebida.
Em suma, não existe qualquer ilicitude na compensação atribuída e paga a Alexandra Reis, quer no plano do direito público, quer do direito societário.
5) Da responsabilidade criminal
Não se verificando qualquer ilicitude, quer no plano civil, quer no âmbito público, é óbvio que também não existe qualquer responsabilidade criminal. O Conselho de Administração da TAP agiu no plano da legalidade e no interesse da empresa, de acordo com a autonomia de gestão. E, o acionista Estado, através dos seus titulares, não deve interferir na atividade prosseguida pelo órgão de administração das empresas.
Por conseguinte, não se verifica qualquer responsabilidade civil e muito menos criminal.
É sabido que alguns partidos políticos se quiseram aproveitar desta situação, por razões políticas e eleitorais. Mas, é lamentável que o Mº Pº se tenha imiscuído neste aproveitamento político e, passados estes anos, ainda não se tenha distanciado. Mais grave, ainda, acaba de constituir arguido o Advogado, que não conheço e que terá dado parecer sobre este assunto, invadindo o seu escritório e vasculhando a sua correspondência e arquivos, com grave violação do sigilo profissional e das garantias constitucionais. Como resulta inequivocamente do exposto, não se verificam os requisitos dos crimes de administração danosa, participação em negócio e abuso de poder, em que assenta esse inquérito, o que até constitui uma denúncia caluniosa.
A Ordem do Advogados já defendeu a honra da profissão, através do seu Bastonário, mas há que apurar responsabilidade do Mº Pº a todos os níveis. Como advogado, não posso deixar de manifestar a minha indignação e solidariedade com o Colega constituído arguido, que, aliás, não conheço. Não pode valer tudo num Estado de Direito e o Mº Pº não pode estar acima da Lei e da Constituição. Os tempos da PIDE já acabaram.
Fotografia de Henry Möllers em Unsplash